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A Net não é um jardim de infância

Enviado: domingo ago 26, 2007 1:46 pm
por uNi
A NET NÃO É UM JARDIM DE INFÂNCIA
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PERFIL
Tito de Morais assumiu diversos cargos relacionados com o Marketing e o design desde a chegada da Internet a Portugal.
No currículo conta com passagens pela Esotérica, Ideia Visual, Prodígio e Via.Networks, além de 10 anos de consultoria de comunicação.
É colaborador assíduo em vários meios de comunicação social.
O site Miúdos Seguros na Net arrancou em 2004. Em 2006, teve 44 668 visitantes únicos.
Conta com 3120 assinantes de newsletter. Através do site, Tito de Morais tem sido convidado para várias palestras.
Deixaria o seu filho sozinho à noite na rua? Então,

porquê deixá-lo conectado à Internet, vulnerável às

intenções de desconhecidos sem rosto ou aos maus

exemplos de piratas e cábulas?
Tito de Morais lançou o site Miúdos Seguros Na Net (http://www.miudossegurosna. net) depois de deparar que, em Portugal, a informação sobre os perigos na Net era escassa. De 2004 até à actualidade, o responsável pelo site e a sua mulher têm multiplicado esforços para dar resposta às solicitações de pais e escolas que solicitam ajuda na prevenção aos perigos escondidos nas tecnologias. Para muitos pode parecer uma iniciativa de amadores, mas a verdade é que, no âmbito profissional, não existem muitos projectos que se equivalham: as leis tardam em adaptar-se aos critérios internacionais e não existe uma única linha específica para a denúncia de conteúdos nocivos na Web portuguesa.

Os pais de hoje estão tecnologicamente preparados para prevenir eventuais abusos dos filhos na Internet?
Muitas vezes os adultos, especialmente, os que estão menos familiarizados com a Internet, sofrem de uma espécie de curto- circuito cerebral. E acham que a mera existência de um computador e de um acesso à Internet os impede de exercer os direitos de pais. Esquecem-se que muitos dos princípios que se aplicam na segurança on-line também se aplicam na segurança fora de casa.

Há, portanto, uma grande parte de uma geração que não está preparada para defender os seus filhos na Web!
Há uma geração que precisa de muita informação para educar os filhos não com os média, mas para os média. Há estudos que indicam que há um grande fosso entre pais portugueses e pais europeus.

Justificava-se uma campanha de sensibilização?

Essa campanha já existiu de alguma forma, só que ninguém deu por ela. A UE tem um programa que se chama Safer Internet Action Plan, que financia projectos nesta área desde 1999. Portugal concorreu com um projecto que resultava de uma parceria entre Ministério da Educação e Universidades de Évora, Algarve, Aveiro e Minho em 2004 e recebeu um fi- nanciamento de 250 mil euros para lançar um ?nó de sensibilização? para a segurança das crianças na Net. Passados dois anos, não há informação sobre os resultados alcançados.

Tanto quanto sei, vai haver uma segunda edição do projecto com novos parceiros. Esperemos que consigamos ver resultados. A problemática não é um exclusivo da Internet e estende-se a todas as tecnologias. O telemóvel, o PDA e outros meios, que caminham no sentido da convergência.

Esses meios vieram potenciar as situações de risco?

A Internet não é um perigo ? o perigo é o que as pessoas fazem com as tecnologias. Mas há tecnologias que facilitam as situações de contacto.

Além das ameaças para as crianças, a informática comporta ferramentas que permitem executar actividades ilícitas, que uma criança facilmente aprende a usar.

A pornografi a infantil é o que mais facilmente faz as páginas dos jornais mas é apenas a ponta do icebergue. Foi feito um estudo em 1999 pela UE, em que foram categorizados três tipos de riscos: os conteúdos, os contactos e o comércio. Nos conteúdos, inserem-se a pornografia, a apologia do racismo, a discriminação sexual e étnica, as informações falsas que abundam na Net e que até podem ser copiadas para um trabalho escolar, sem verificação das fontes. Nos contactos, começou- se por dar atenção ao chat e hoje já se aborda mais os SMS e sites como o Hi5 ou o MySpace ou as mensagens instantâneas.

Por fim, há as práticas comerciais pouco éticas. Qualquer miúdo preenche um formulário com dados pessoais dele, do pai, da mãe, se isso o habilitar a ganhar uma consola. Mais recentemente, começou-se a falar de riscos relacionados com os direitos de autor, com a pirataria de software, de música e vídeos. E também do plágio: os miúdos usam muito a Net para a pesquisa.

Já há uma indústria de trabalhos escolares, onde se vende teses on-line. Há professores que, diariamente, se confrontam
com trabalhos em português do Brasil.

Falta ética no ambiente virtual?

Os ensinamentos que nos diziam que era errado copiar um livro também devem ser transpostos para o ambiente virtual, porque é onde os miúdos vão buscar informação. O que também nos leva até à utilização excessiva das tecnologias. A comunidade médica não é unânime se há dependência das tecnologias. Haja ou não dependência, de uma coisa tenho a certeza: a utilização é excessiva. Já li casos de miúdos que passam sete horas diárias conectados e isso só pode ser utilização excessiva.

Muitos pais até gostam de ver os filhos à frente do computador, porque é sinal de que estão a preparar-se para o futuro?

Tudo depende do bom-senso. Há pais que me perguntam qual o tempo máximo que uma criança deve utilizar a Internet. Respondo que não é só a Net ou o computador, é também o tempo de ecrã, em que se está ligado a vários dispositivos. Há tempos, o Professor Daniel Sampaio referia que mais de duas horas por dia já é excessivo e isto contabilizando TV, Internet, telemóvel e consola.

Também depende da idade da criança ou, no caso dos jovens, do curso que estão a fazer. Os pais têm de analisar se esse tempo que os filhos passam frente ao ecrã é bom, porque não chateiam e estão quietos e caladinhos, ou se é um tempo retirado a actividades físicas ou familiares. O facto de muitas famílias de hoje terem a Net e o computador no quarto dos miúdos faz com que, na realidade, as tecnologias, em vez de unirem a família, sirvam para dividi-la.

Já fez saber que mantém alguma descrença em relação aos filtros de conteúdos. Porquê?

Não é descrença. A segurança é como uma cadeira, precisa de ter quatro pernas. Mas invariavelmente, só se fala numa dessas pernas, a tecnologia. E estas quatro ?per-nas? são: as abordagens parentais; abordagens educacionais; as abordagens tecnológicas, com os filtros e monitorizações, e as abordagens legais. Se tirarmos uma das pernas, a cadeira ainda se aguenta, mas só com duas cai! Ao nível parental, a abordagem pode passar pela localização do computador ou regras de utilização.

No âmbito educacional, há actividades que podem ser exercidas pelos pais e professores, que versam sobre temas da segurança ou ajudam a estruturar o pensamento em trabalhos escolares. As questões tecnológicas abrangem os filtros e os sistemas de monitorização. Cada família escolhe as abordagens que se coadunam com os valores com que quer educar os filhos. Há famílias que consideram uma aberração a monitorização do uso que os filhos fazem da Web?

? até porque pode levantar questões de privacidade!

Quando os miúdos são de mais tenra idade (as ferramentas de monitorização) têm maior razão de ser. Quando alcançam a adolescência torna-se complicado usar estas ferramentas. Na adolescência, a monitorização pode fazer com que o fi- lho deixe de usar as tecnologias em casa dos pais e, se calhar, passe a fazê-lo noutros locais onde essa supervisão não existe.

Então, qual será a solução?

É essencial manter o diálogo. A partir do momento em que um adolescente sente que o pai está a intrometer-se, começa a fechar-se. Logo, o diálogo terá menor tendência para ocorrer. É por isso que a utilização conjunta da Internet entre pais e filhos não deve começar aos 14 ou aos 16 anos, mas aos cinco ou seis. Porque aos 14, eles já não querem ter o ?cota? atrás a ver o que andam a fazer. Se começarmos aos cinco anos e o fizermos de uma forma regular, torna-se natural. E aos 15 ou 16 anos ficam habituados a partilhar essa utilização com os pais.

Do ponto de vista legal, Portugal está bem preparado?

De acordo com um estudo do International Centre for Missing & Exploited Children, Portugal só cumpre dois dos cinco critérios do combate legal à pornografia infantil. Um dos critérios não cumpridos está relacionado com o reporting dos ISP (obrigação de fornecer dados sobre pornografia infantil na Web).

Portugal tem uma legislação de terceiro mundo. Todos os países que apenas cumprem os mesmos critérios que Portugal são subdesenvolvidos. Actualmente, está em curso a revisão do código penal na Assembleia da República, e é uma oportunidade soberana para corrigir o que está mal.

Devemos fazê-lo sem olhar apenas para esses cinco critérios. Isso é remendar para trás. O mesmo estudo recomenda dez áreas que compõem uma legislação modelo que os países devem seguir. Devemos debater os 10 critérios a adoptar. Mas há ainda outra situação: Portugal é o único país da UE a 15 que não dispõe de uma linha específi- ca para a denúncia de conteúdos ilegais ou nocivos na Net, apesar da UE financiar a criação desses serviços desde 1999.

Haverá uma relação entre o vazio legal e os casos de distribuição de pornografia infantil detectados em Portugal?

Se um país tem leis fracas neste domínio, é natural que quem quer praticar crimes escolha esses países onde a legislação é ineficaz, mas existem infra-estruturas que permitem manter o negócio. Toda a gente fala da venda de música, mas há estudos da Unicef que revelam que a pornografia infantil é um bastante superior (n.r: enquanto as vendas de música na Net vão movimentar dois mil milhões de dólares em 2007, a pornografia infantil pode chegar aos 20 mil milhões dólares).
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