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Por uNi
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O SENHOR INTERNET
O TCP/IP é eterno? A Net deve ser neutra? Os EUA têm poder a mais no espaço virtual? Vint Cerf, o primeiro cibernauta do mundo e criador da Net, diz de sua justiça em entrevista à Exame Informática.
PERFIL
Vint Cerf nasceu 1943, em New Haven, EUA. É formado em matemática pela Universidade de Stanford e doutorado pela Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA). É nesta última instituição que começa a participar no projecto Arpanet, o primeiro embrião da Internet e o primeiro sistema de comunicação por pacotes através de uma rede de computadores. Em 1974, redige com Bob Kahn um ensaio que está na origem da arquitectura da Internet, enquanto rede que abrange outras redes. Do currículo de Cerf, consta a criação do primeiro serviço de correio electrónico comercial, na MCI, o ensino de tecnologias e a passagem pela Agência de Investigação do Departamento de Defesa dos EUA (DARPA). Desde 1999, que preside ao ICANN, cargo que acumula, desde 2005, com o de ?Evangelista da Neutralidade da Internet? no Google.

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Em 1974, Vint Cerf e Bob Kahn criaram o protocolo TCP/IP. O feito valeu-lhes, merecidamente, o título de ?Pais da Internet?. Vint Cerf é hoje o rosto mais visível dos
primórdios da Net, uma ?lenda viva? que, às proezas do passado, junta o cargo de presidente do ICANN, organismo que gere a Internet. No fi nal de 2007, Vint Cerf deverá abandonar o ICANN, num gesto que também representa o fim de um ciclo. De visita a Portugal por ocasião do congresso do ICANN realizado em Março em Lisboa, Vint Cerf explicou à Exame Informática a importância de migrar quanto antes para a IPv6 ou de manter a neutralidade dos ISP.

É considerado o Pai da Internet. Está orgulhoso com a criação?
Sim. Era impensável que uma ideia como esta se tornasse tão atractiva para tanta gente, que está disposta a gastar grandes quantidades de tempo e dinheiro para torná-la ainda maior. Comecei a trabalhar nesta área há cerca de 30 anos e hoje já temos de mais de mil milhões de internautas no mundo; grandes fortunas perderamse ou foram feitas em torno desta tecnologia (o TCP/IP). Mas o mais importante é que esta infra-estrutura continua a evoluir e já é muito valiosa a nível global. Nesse sentido, tenho de me sentir orgulhoso por tudo isto funcionar.

O TCP/IP é eterno? Não poderá vir a ser substituído por outros protocolos?
Já se sabe que teremos de proceder a alterações. A próxima expansão da Internet tem por objectivo uma arquitectura interplanetária, para o suporte de missões de exploração de homens e robôs no Espaço. Ao desenvolver essa arquitectura, rapidamente descobrimos que o TCP/IP não funciona. Tivemos de adoptar um novo conjunto de protocolos, que operam em ambientes com grandes atrasos, onde as comunicações sofrem disrupções devido às rotações dos planetas e outros fenómenos. Apesar de sabermos que funciona na superfície terrestre, ou mesmo a bordo de um veículo espacial, sabíamos também que o TCP/IP não era adequado. Logo, não vamos ter de esperar por um futuro longínquo para concluir que um certo tipo de protocolos não funciona em determinados ambientes.

Como tem corrido o trabalho com a NASA?
Já concluímos o design do novo protocolo (de comunicações interplanetárias), que vai funcionar sobre a Internet que conhecemos hoje. Mas também opera através de comunicações de rádio de muito longas distâncias? entre a Terra, Marte, Júpiter e outros planetas? Já fi zemos testes em Terra; estamos a planear testes com a Estação Espacial Internacional e o vaivém Deep Impact. Já utilizamos protocolos de comunicações interplanetárias para suportar comunicações entre veículos robóticos que estão a explorar a superfície de Marte e as bases que se encontram em Terra. Não estamos interessados em criar uma rede de comunicações interplanetária e fi car à espera que alguém a use. Estamos a criar standards de protocolos usados em missões espaciais para que, sempre que uma nova missão é lançada, possa interagir com recursos utilizados em missões anteriores. Isto não é diferente da compatibilidade que existe na Net, excepto no conjunto de standards utilizados?

O que há de diferente entre os dois conjuntos de protocolos? Comunicar entre a Terra e Marte signifi ca, nas distâncias mais curtas, comunicar a 35 milhões de milhas (cerca 42 milhões de quilómetros). O que exige, à velocidade da luz, 3,5 minutos para percorrer essa distância. Logo, uma comunicação entre esses dois pontos demora 3,5 minutos a estabelecer contacto e mais 3,5 minutos para a resposta. Ou seja, sete minutos. Imagine o que seria surfar na Net, clicar numa tecla e esperar sete minutos para aceder a uma página? por alguma razão, isso ainda acontece em algumas nas comunicações terrestres. Mas quando se tem de percorrer uma distância de 235 milhões de milhas (cerca de 350 milhões quilómetros) as comunicações demoram mais de 20 minutos em cada sentido, isto é, mais de 40 minutos no total. O TCP/IP não está preparado para estes requisitos. Mesmo as camadas mais baixas do protocolo, como o IP ou UDP, não são adequadas. Há uma ponta de ironia nisto tudo: criámos o design das comunicações interplanetárias e verifi cámos que funcionam em algumas aplicações utilizadas aqui na Terra. Especialmente, em comunicações móveis. Daí que estejamos a utilizar o protocolo interplanetário em comunicações terrestres, nomeadamente, em comunicações móveis e militares.

O TCP/IP já é usado para conectar automóveis, frigoríficos, hospitais, câmaras de vídeo, portas? É seguro?
Qualquer pessoa pode fi car receosa ao descobrir que todos os dispositivos que utiliza hoje ? inclusive os que estão incorporados no seu corpo ? podem fi car sujeitos a ataques, vírus, trojans. O que signifi ca que temos de nos preocupar em aumentar a segurança da Internet. Mas também estamos preocupados (no ICANN) com o facto de o actual protocolo, que fi cou defi nido em 1978, apenas suportar 4,3 mil milhões conexões únicas. No início, achava que 4,3 mil milhões de conexões era mais do que sufi ciente. O que não sabia é que esta minha experiência nunca haveria de terminar. Hoje, sabemos que precisamos de mais endereços. Daí que haja uma nova versão de protocolo, conhecida por IP version 6 (IPv6) para substituir o IPv4. O IPv6 tem ?340 triliões de triliões de triliões de endereços?. É um número enorme e será sufi ciente até ao dia em que morrer? depois será um problema de outra pessoa (risos). A IPv6 já começou a ser utilizada, mas muito lentamente. Na China, vai ser lançada à escala nacional aquando das olimpíadas, em 2008. As forças armadas dos EUA já anunciaram que vão usar a IPv6 em 2008. Prevê-se que a IPv4 se esgote entre 2010 e 2019. Deveríamos migrar para a IPv6 o mais rápido possível, para não nos termos de nos preocupar mais tarde. A única razão por que ainda não se procedeu à migração é o facto de os ISP ainda não terem começado a disponibilizá-la. E justifi cam este atraso dizendo que ninguém tem pedido. Daí que aconselhe as pessoas a solicitar a utilização da IPv6 junto dos ISP.

A migração para o IPv6 não pode originar incompatibilidade ao nível histórico?
É um dos problemas, mas há várias formas de o resolver. Uma delas é a utilização das duas versões. Muitos dos sistemas operativos já são compatíveis com protocolos novos e antigos. A utilização dos dois sistemas não é impossível. Temos de injectar a IPv6 no Domain Name System (DNS), caso contrário não resolvemos este problema. (No ICANN) Já autorizámos a inserção de endereços em IPv6 no DNS. Logo não é um grande problema. Talvez, sejam necessárias gateways ou proxys que permitam ir de IPv6 para IPv4, para os endereços que correm apenas em servidores da versão mais antiga. Mas não é difícil. No pior dos casos, é possível recorrer a dispositivos de ?tradução de endereços?, que não aprecio especialmente, porque interferem com os protocolos, mas é possível utilizá-los entre servidores IPv6 e uma rede IPv4.

Como vê o fenómeno Web 2.0?
O termo Web 2.0 é uma expressão muito popular; é uma buzzword, um conceito de marketing. Mas tem algumas bases. Desenvolveram- se alguns protocolos básicos que permitem a interacção de vários processos na Internet, através de standards. Houve objectos de XML que foram uniformizados com propósitos de negócio na área da voz, pagamentos ou encomendas. Os standards podem ser utilizados nos negócios para aumentar a produtividade ou fomentar a comunicação. A Web 2.0 começou por aplicar standards a comunicações de negócios, automatizando práticas comerciais. Mas tornou-se mais abrangente que isso. Os serviços da Web exigem recursos físicos ? computadores, comunicações, processamento, memória... Só que agora há aplicações que não querem saber que máquinas estão a ser usadas, o que é positivo. Cada máquina pode ser encarada como um recurso virtual e, se deixar de funcionar, podemos mudar a aplicação para outra que não está avariada. Além disso, se um processo de negócio exigir maior capacidade de computação é possível juntar duas ou três máquinas, através da virtualização de recursos.

A crescente virtualização também vai chegar ao segmento doméstico?
É possível. Imaginemos que alguém está a usar uma aplicação no portátil e descobre que não há sufi ciente memória ou capacidade de processamento. Antes da virtualização, essa pessoa teria de mudar a aplicação para uma ou mais máquinas de maior capacidade e, se tivesse sorte, poderia distribui-la por várias máquinas. Num ambiente virtual é possível tirar a aplicação de uma única máquina e corrê-la num ambiente diferente, sem que a aplicação dê pela diferença. A utilização de recursos de rede para aumentar os recursos de cada indivíduo pode tornar-se uma prática bastante razoável. No Google, temos recorrido a este conceito. Criámos centros de computação enormes e nos casos em que algo falha ninguém dá por isso, porque temos muitos recursos para replicar os sistemas de computação de vários pontos do mundo. Se um dos nossos centros de dados vai abaixo, por exemplo, o motor de buscas continua a funcionar, porque replicamos os dados em vários lugares.

A Web 2.0 também abriu caminho a novas formas de infracção dos direitos de autor. Alguma vez será possível proteger os autores na Net?
Antes da Web 2.0, já havia aplicações de partilha de fi cheiros (P2P) que promoviam, ilegalmente, a cópia de conteúdos. De tempos a tempos, as pessoas relacionam erradamente tecnologias e cópias ilegais; e confunde-se o uso ilegal com a tecnologia em si mesma. O BitTorrent é usado, claramente, para copiar e distribuir ilegalmente fi lmes em suporte digital. Mas agora a indústria do cinema percebeu que a aplicação utilizada pelo BitTorrent pode ser uma ferramenta muito barata e rápida para distribuir conteúdos em suporte digital. E está a licenciar tecnologia do BitTorrent para a distribuição de fi cheiros encriptados, de acordo com a lei. Temos de aceitar a ideia de que, num ambiente digital, é muito fácil copiar e armazenar informação. O que é diferente de copiar objectos físicos, ou imprimir livros. Como é que se resolve este problema? Uma das respostas é: parem de pensar que toda a gente quer roubar os vossos trabalhos só porque são digitais. Por outro lado, se alguém cria algo cujo o valor do roubo é reduzido, então as pessoas não recorrem à pirataria. O iTunes vende músicas a 99 cêntimos. Numa parte do mundo, 99 cêntimos é uma quantia diminuta e não vale a pena roubar uma música quando se pode adquirir uma cópia de boa qualidade que corre no iPod. A economia da informação digital pode abrir caminho a novos modelos de negócio, que funcionam, com produtos de qualidade e têm lucro, porque os custos relacionados com o digital são muito baixos ? a memória é barata; a transmissão é barata; e o processamento é barato.

Tem o cargo de ?Evangelista da Neutralidade da Net? no Google. Mas afi nal que cargo é este?
A Internet foi criada num ambiente aberto em que todos pagam, mas são livres de desenvolver formas de a utilizar. Essencialmente, seguimos o princípio de que quem paga para aceder à Internet pode fazer o que quiser, desde que saiba programar. Esta abertura fomentou uma vaga de inovação espantosa. Logo, a abertura da rede não inibe a inovação e é o motor de crescimento da Net. Mas há algumas companhias de telecomunicações que pretendem alterar este princípio e pretendem impor um ambiente em que se cobra por cada bit enviado ou pelo acesso a outros clientes da rede. As empresas já pagam para ter grandes servidores conectados à Internet e há milhões de utilizadores que também pagam para aceder à Net. Mas nos EUA há ISP que defendem que não devem deixar os seus subscritores aceder aos serviços de certas empresas, a menos que estas aceitem pagar também. E por que há-de pagar essa empresa, se os clientes já pagaram aos ISP? Os ISP têm respondido que não gostam do actual modelo de negócio e querem que toda a gente pague para usar as capacidades de comunicação. Ou seja, estão abusar do poder de acesso à rede para inibir a competição entre pessoas e empresas que fornecem aplicações e serviços. Para mim, é aos consumidores que deve caber a escolha de um serviço em detrimento de outro.

A Internet é uma criação dos EUA?
? (interrompendo) Não, não é! Sei que diz isso porque eu e o Bob Kahn criámos o design e somos americanos. Em 1974, tínhamos alguns requisitos técnicos e fi zemos os primeiros testes. Em 1975, já tínhamos envolvido o College of London no projecto e abrimos a participação a vários organismos de fora dos EUA. Desde 1975, que é um projecto internacional.

Mas ainda são os EUA, através do ICANN, que gerem o sistema de endereços?
Refuto absolutamente isso. A larga maioria dos membros da direcção do ICANN não é dos EUA. É verdade que o ICANN foi criado nos EUA, mas tem uma gestão internacional, com delegações em vários pontos do mundo.

Não faria sentido que a Net fosse gerida pelas Nações Unidas (UN)?
Sabe como é que as UN funcionam? Se acompanhasse as actividades das UN, poderia concluir que não é local para isso. O ICANN funciona como uma organização internacional, com pessoas de todo o mundo. O facto de ter sido constituído nos EUA não o torna diferente de uma multinacional que tenha presença nos EUA. Na verdade, vemo-nos como uma sociedade com múltiplas participações ? dos interesses dos estados, aos dos utilizadores de todo o mundo ou às entidades que supervisionam a atribuição de endereços de cada país. Lamento, mas isto não é uma coisa de americanos.

Logo, devemos concluir que Vint Cerf não vê motivos para alterar a forma de funcionamento da gestão da Internet?
Não é verdade. Precisamos de proceder a algumas alterações. Ainda temos relações com o Departamento de Comércio dos EUA e devemos acabar com isso e separar totalmente o ICANN de qualquer relação de dependência do Governo, porque não acredito que seja necessária.

Essa separação sempre vai acontecer em 2009?
Sim, é esse o acordo, mas vai haver uma revisão ainda em Março 2008, altura em que espero que já tenhamos completado o nosso trabalho e nos tenhamos tornado um organismo internacional funcional, sem dependências de nenhum governo.

Vai deixar o ICAAN ainda em 2007? O que vai fazer a seguir?
Vou aproveitar o tempo que tenho gasto no ICANN para escrever cinco livros. Alguns sobre tecnologias; outros sobre História e outro sobre a minha família.
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